Não acho que consumi tantos romances de formação assim, e o meu exemplo favorito e supremo nem é ocidental (A Viagem de Chihiro), então talvez seja por isso que eu não enxergo isso como "uma conversão que é um momento de epifania". Eu penso que toda história é um recorte (especialmente a modalidade narrativa de histórias que tem começo e fim) enquanto a vida é um todo e é contínua. É claro que na nossa vida nunca vai ter um "final" porque ela ainda está em andamento... mas eu reconheço coisas que eu aprendi ao longo dos últimos cinco, dez, quinze, vinte anos... e se eu fosse transformar isso num livro de 300 páginas eu saberia colocar um começo, alguns episódios que forma úteis nesse crescimento, e um fim.Às vezes tem um relapso (daí a gente escreve a seuqencia, faz o filme 2). Em outros aspectos da minha vida eu sinto que continuo tão perdida e sem respostas quanto no dia que nasci, mas é isso: aspectos. Recortes. Nessa versão resumida e contada em retrocesso, quinze anos de experiência de vida ficam mesmo parecendo um momento de epifânia
Olha, vou palpitar aqui com bastante ignorância... Acho que há uma lógica oriental que de fato não está associada à ideia de conversão, que é bastante cristã e ocidental. E quando falo “oriental” não me refiro necessariamente a Japão, China, etc. Mas, se a gente foi pensar, a própria Bíblia Hebraica (Antigo Testamento) é um texto oriental, do que se chama geralmente de Oriente Próximo ou Oriente Médio. Então, quando esse texto entra pro cânone ocidental através dos cristãos, há uma super imposição de uma lógica que lhe era alheia - o que aqui chamo de lógica de conversão, ou de epifania. Basicamente, se anexa ao texto um final, que lhe confere sentido. E acho que você está super certa quando fala que a própria estrutura do romance impõe um arco - começo, meio e fim - que faz com que um recorte se transforme num todo coerente. Há também várias maneiras de desmanchar o romance pra que esse arco não se forme tão bonitinho, tão completo. E acho que tem coisa legal que pode sair da frustração da expectativa de final de um romance.
boa proposta num mundo entulhado de narrativas cheias de peripécias, clímax e grandes revelações. ah, q saudade do blumenthal, cara... feliz em ver o doug por asqui - foi meu companheiro em caminhadas durante aquela pandemia sem fim...
Não sou adepto do judaísmo, mas tenho percebido em mim uma atração crescente por artistas judeus e suas criações. Um dos meus escritores favoritos é o Philip Roth, e, lembrando de maneira retrospectiva, me chama a atenção como os romances parecem mais justamente capítulos de uma vida do que histórias com começo, meio e fim - basicamente todos os romances protagonizados pelo Nathan Zuckerman, por exemplo. Estou lendo "Herzog", do Saul Bellow, no momento, ainda não cheguei a um quarto lido, mas o mesmo aspecto me chama a atenção. Faço a comparação com a minha própria trajetória, e vejo também uma ausência de epifanias.
Já fui obcecada por Philip Roth, li um atrás do outro! Ainda gosto, mas faz tempo que não pego pra ler. Acho que tenho receio de não amar mais tanto, então deixo a memória intacta. Tenho um texto lá no comecinho da newsletter - que não vou linkar aqui porque suspeito que não esteja especialmente bom - que tentava fazer uma ponte entre Nêmesis, o livro de Jó e a noção de tempo histórico de Walter Benjamin (cujos escritos são muito marcados por conceitos judaicos). Eu posso até falar besteira, mas escolho falar besteiras com grandes ambições hahahha
Não acho que consumi tantos romances de formação assim, e o meu exemplo favorito e supremo nem é ocidental (A Viagem de Chihiro), então talvez seja por isso que eu não enxergo isso como "uma conversão que é um momento de epifania". Eu penso que toda história é um recorte (especialmente a modalidade narrativa de histórias que tem começo e fim) enquanto a vida é um todo e é contínua. É claro que na nossa vida nunca vai ter um "final" porque ela ainda está em andamento... mas eu reconheço coisas que eu aprendi ao longo dos últimos cinco, dez, quinze, vinte anos... e se eu fosse transformar isso num livro de 300 páginas eu saberia colocar um começo, alguns episódios que forma úteis nesse crescimento, e um fim.Às vezes tem um relapso (daí a gente escreve a seuqencia, faz o filme 2). Em outros aspectos da minha vida eu sinto que continuo tão perdida e sem respostas quanto no dia que nasci, mas é isso: aspectos. Recortes. Nessa versão resumida e contada em retrocesso, quinze anos de experiência de vida ficam mesmo parecendo um momento de epifânia
Olha, vou palpitar aqui com bastante ignorância... Acho que há uma lógica oriental que de fato não está associada à ideia de conversão, que é bastante cristã e ocidental. E quando falo “oriental” não me refiro necessariamente a Japão, China, etc. Mas, se a gente foi pensar, a própria Bíblia Hebraica (Antigo Testamento) é um texto oriental, do que se chama geralmente de Oriente Próximo ou Oriente Médio. Então, quando esse texto entra pro cânone ocidental através dos cristãos, há uma super imposição de uma lógica que lhe era alheia - o que aqui chamo de lógica de conversão, ou de epifania. Basicamente, se anexa ao texto um final, que lhe confere sentido. E acho que você está super certa quando fala que a própria estrutura do romance impõe um arco - começo, meio e fim - que faz com que um recorte se transforme num todo coerente. Há também várias maneiras de desmanchar o romance pra que esse arco não se forme tão bonitinho, tão completo. E acho que tem coisa legal que pode sair da frustração da expectativa de final de um romance.
"A memória é seletiva e criativa: ela apaga caminhos em falso e inventa causalidades".
que belo e profundo! que sejamos abraçados por esse grande devir que é a vida 💜
Eu também ia destacar essa frase ❤️
boa proposta num mundo entulhado de narrativas cheias de peripécias, clímax e grandes revelações. ah, q saudade do blumenthal, cara... feliz em ver o doug por asqui - foi meu companheiro em caminhadas durante aquela pandemia sem fim...
O Doug é demais, né? Sou muito fã!
Não sou adepto do judaísmo, mas tenho percebido em mim uma atração crescente por artistas judeus e suas criações. Um dos meus escritores favoritos é o Philip Roth, e, lembrando de maneira retrospectiva, me chama a atenção como os romances parecem mais justamente capítulos de uma vida do que histórias com começo, meio e fim - basicamente todos os romances protagonizados pelo Nathan Zuckerman, por exemplo. Estou lendo "Herzog", do Saul Bellow, no momento, ainda não cheguei a um quarto lido, mas o mesmo aspecto me chama a atenção. Faço a comparação com a minha própria trajetória, e vejo também uma ausência de epifanias.
Já fui obcecada por Philip Roth, li um atrás do outro! Ainda gosto, mas faz tempo que não pego pra ler. Acho que tenho receio de não amar mais tanto, então deixo a memória intacta. Tenho um texto lá no comecinho da newsletter - que não vou linkar aqui porque suspeito que não esteja especialmente bom - que tentava fazer uma ponte entre Nêmesis, o livro de Jó e a noção de tempo histórico de Walter Benjamin (cujos escritos são muito marcados por conceitos judaicos). Eu posso até falar besteira, mas escolho falar besteiras com grandes ambições hahahha
só pra registrar que acabei de ler o blurb que vc deixou (nem sei quando!)
obrigada demais demais demais demais
<3
Um prazer te ler em sempre ❤️