Adorei o texto! Existe também um fator que é econômico e cultural: artistas, cineastas e autores judeus produziram filmes, livros e peças sobre o holocausto que influenciam muito a nossa forma de pensar sobre o tema. Como judia, sei bem a importância de relembrar para nunca esquecer. Isso só foi possível graças a um poder econômico que permitiu toda essa produção cultural importantíssima. Sem reparação econômica pela escravidão, fica impossível haver algum tipo de igualdade social - e os meios econômicos para a produção cultural da população negra ficam mais difíceis. Some a isso o preconceito que subsiste no País e pronto - filmes como “Medida Provisória” são a exceção, e não a regra. Há muitos fatores por trás das poucas vozes que falam sobre a escravidão que chegam até nós.
Sim, concordo muito. Eu acho que tem um papo muito longo e muito sensível aí, e talvez seja um conversa que a comunidade judaica tenha que ter a portas fechadas, porque diz muito sobre como nos entendemos no mundo.
Há diversos processos e racialização - todos ficcionais (não existem raças entre seres humanos) e cruelmente reais (os efeitos dessa ficção são concretos). Na Europa, por centenas de anos, o judeu foi excluído, foi racializado. Da mesma forma que as pessoas do continente asiático guardam chagas raciais/étnicas umas contra as outras, que aos nossos olhos ocidentais podem fazer pouco sentido, os povos europeus fizeram a mesma coisa. A racialização não acontecia com base na cor da pele.
No mundo pós Holocausto, os judeus conseguiram se desracializar na América - do Norte, Central, do Sul. Os judeus foram em massa pro coração do império americano. O judeu passou a ser visto como mais um branco, ascendeu socialmente e sua história foi contada abundantemente. Isso porque a América descrimina por cor da pele. Cabe muito a nós, judeus, nos lembrarmos que podemos ter subido na escala social hoje, mas que as nossas alianças histórias são sempre com os que sofrem. O primeiro texto que escrevi nessa newsletter foi parte de uma revolta contra a narrativa que coloca o judeu como “super branco”. E o pior é quando nós mesmos passamos a nos ver assim e fazemos alianças políticas espúrias. Sigo mto o Michel Gherman nesses temas - uma grande mente pensando Brasil, política e judeidade. Sempre bom trocar com vc. Um beijo
"Cabe muito a nós, judeus, nos lembrarmos que podemos ter subido na escala social hoje, mas que as nossas alianças histórias são sempre com os que sofrem." - que frase perfeita. Estou estudando no meu mestrado justamente a questão do judeu no ocidente e amei ler a sua perspectiva sobre o tema. Vou ler o primeiro texto e seguir o Michel Gherman, muito obrigada pelas referências!
Precisamos mesmo confrontar nossos traumas coletivos, encarar nossas mazelas, reconhecer a crueldade comezinha, visceral e assustadora o racismo que nos foi legado pela escravidão. Está semana, participei da discussão de "Úrsula", um romance de 1859-60, escrito por uma mulher maranhense negra q, debaixo de uma narrativa marcada pelo convencionalismo romântico da época, figura como primeira obra a denunciar a perversidade da classe escravocrata, da voz personagens negros a narrar o próprio cativeiro e mulheres a denunciarem sua subjugação por homens violentos e poderosos. Maria Firmino foi apagada da nossa história literária e seu resgate faz parte do esforço de compreender o racismo que marca até hoje nossa vida, familiar e social.
uau! show demais o alex, ariela! tinha topado com esse texto dele, não... obrigado mesmo! a gente tocou em vários pontos q ele aborda nessa análise magnífica - a obediência ao convencionalismo romântico como estratégia para ser bem recepcionada e mobilizar o leitor da época em prol de uma causa de justiça social [o abolicionismo], a voz dignificante com q ela retrata as personagens negras, a subjugação das mulheres pelo patriarcado, a subversão da perspectiva do escravizador como bárbaro criminoso, a evocação do passado de liberdade da susana na áfrica que mostra a escravidão como um degredo, uma ruptura dos laços de afeto pelo lugar, pela família, pelo marido.
além de frisar q a maria firmina antecipa em uma década autores e obras consagradas pela história literária tradicional [o "navio negreiro" de castro alves é de 1869], tb chegamos a falar sobre as neuroses dos núcleos familiares sob domínio dos patriarcas em contraste com a harmonia dos núcleos familiares sem figuras masculinas e o talento da narradora na descrição de gestos singelos e minuciosos [o aperto de mão entre um negro e um branco, a preta susana parando de fiar na roca para preparar o cachimbo].
é, sim, uma obra q tem muito a nos dizer até hoje.
Adorei o texto! Existe também um fator que é econômico e cultural: artistas, cineastas e autores judeus produziram filmes, livros e peças sobre o holocausto que influenciam muito a nossa forma de pensar sobre o tema. Como judia, sei bem a importância de relembrar para nunca esquecer. Isso só foi possível graças a um poder econômico que permitiu toda essa produção cultural importantíssima. Sem reparação econômica pela escravidão, fica impossível haver algum tipo de igualdade social - e os meios econômicos para a produção cultural da população negra ficam mais difíceis. Some a isso o preconceito que subsiste no País e pronto - filmes como “Medida Provisória” são a exceção, e não a regra. Há muitos fatores por trás das poucas vozes que falam sobre a escravidão que chegam até nós.
Oi, Carol!
Sim, concordo muito. Eu acho que tem um papo muito longo e muito sensível aí, e talvez seja um conversa que a comunidade judaica tenha que ter a portas fechadas, porque diz muito sobre como nos entendemos no mundo.
Há diversos processos e racialização - todos ficcionais (não existem raças entre seres humanos) e cruelmente reais (os efeitos dessa ficção são concretos). Na Europa, por centenas de anos, o judeu foi excluído, foi racializado. Da mesma forma que as pessoas do continente asiático guardam chagas raciais/étnicas umas contra as outras, que aos nossos olhos ocidentais podem fazer pouco sentido, os povos europeus fizeram a mesma coisa. A racialização não acontecia com base na cor da pele.
No mundo pós Holocausto, os judeus conseguiram se desracializar na América - do Norte, Central, do Sul. Os judeus foram em massa pro coração do império americano. O judeu passou a ser visto como mais um branco, ascendeu socialmente e sua história foi contada abundantemente. Isso porque a América descrimina por cor da pele. Cabe muito a nós, judeus, nos lembrarmos que podemos ter subido na escala social hoje, mas que as nossas alianças histórias são sempre com os que sofrem. O primeiro texto que escrevi nessa newsletter foi parte de uma revolta contra a narrativa que coloca o judeu como “super branco”. E o pior é quando nós mesmos passamos a nos ver assim e fazemos alianças políticas espúrias. Sigo mto o Michel Gherman nesses temas - uma grande mente pensando Brasil, política e judeidade. Sempre bom trocar com vc. Um beijo
"Cabe muito a nós, judeus, nos lembrarmos que podemos ter subido na escala social hoje, mas que as nossas alianças histórias são sempre com os que sofrem." - que frase perfeita. Estou estudando no meu mestrado justamente a questão do judeu no ocidente e amei ler a sua perspectiva sobre o tema. Vou ler o primeiro texto e seguir o Michel Gherman, muito obrigada pelas referências!
Precisamos mesmo confrontar nossos traumas coletivos, encarar nossas mazelas, reconhecer a crueldade comezinha, visceral e assustadora o racismo que nos foi legado pela escravidão. Está semana, participei da discussão de "Úrsula", um romance de 1859-60, escrito por uma mulher maranhense negra q, debaixo de uma narrativa marcada pelo convencionalismo romântico da época, figura como primeira obra a denunciar a perversidade da classe escravocrata, da voz personagens negros a narrar o próprio cativeiro e mulheres a denunciarem sua subjugação por homens violentos e poderosos. Maria Firmino foi apagada da nossa história literária e seu resgate faz parte do esforço de compreender o racismo que marca até hoje nossa vida, familiar e social.
Você chegou a topar por aí com o texto do Alex Castro sobre Úrsula? Participei das discussões sobre o livro em um dos cursos dele. Foi muito bacana. https://alexcastro.com.br/ursula-de-maria-firmina-dos-reis/
uau! show demais o alex, ariela! tinha topado com esse texto dele, não... obrigado mesmo! a gente tocou em vários pontos q ele aborda nessa análise magnífica - a obediência ao convencionalismo romântico como estratégia para ser bem recepcionada e mobilizar o leitor da época em prol de uma causa de justiça social [o abolicionismo], a voz dignificante com q ela retrata as personagens negras, a subjugação das mulheres pelo patriarcado, a subversão da perspectiva do escravizador como bárbaro criminoso, a evocação do passado de liberdade da susana na áfrica que mostra a escravidão como um degredo, uma ruptura dos laços de afeto pelo lugar, pela família, pelo marido.
além de frisar q a maria firmina antecipa em uma década autores e obras consagradas pela história literária tradicional [o "navio negreiro" de castro alves é de 1869], tb chegamos a falar sobre as neuroses dos núcleos familiares sob domínio dos patriarcas em contraste com a harmonia dos núcleos familiares sem figuras masculinas e o talento da narradora na descrição de gestos singelos e minuciosos [o aperto de mão entre um negro e um branco, a preta susana parando de fiar na roca para preparar o cachimbo].
é, sim, uma obra q tem muito a nos dizer até hoje.
se quiser dar uma espiada na conversa lá, o vídeo está disponível aqui - https://www.youtube.com/watch?v=igyeeu46HLo