O senhor é tão jovem, tem diante de si todo começo, e eu gostaria de lhe pedir da melhor maneira que posso, meu caro, para ter paciência em relação a tudo que não está resolvido em seu coração. Peço-lhe que tente ter amor pelas próprias perguntas, como quartos fechados e como livros escritos em uma língua estrangeira. (...) Viva agora as perguntas. Talvez passe, gradativamente, em um belo dia, sem perceber, a viver as respostas.
Rainer Maria Rilke
Nas últimas semanas, eu tive um summer analyst - um estagiário de verão, que trabalha por algumas semanas durante as férias universitárias. Vamos chamá-lo de Joe.
Joe tem todo o frescor das aspirações não frustradas. Ele está feliz de ter arranjado um emprego temporário. Ele me segue com um bloquinho e vontade de aprender. Eu lembro do que é ter sido algo parecido com o Joe, mas eu não sou mais o Joe. Para a minha incredulidade, eu sou a imagem que ele faz de sucesso.
Na semana que passou, eu digitei uma mensagem para a minha amiga: "você sempre se sente uma adulta funcional?”. Vira e mexe, me vem a sensação de que eu não tenho o talento especial para ser uma pessoa. A minha roupa suja está sempre acumulada. Eu perco o sono pensando em algum detalhe da minha festa de casamento, que se aproxima a passos largos, e no dia seguinte eu evito o assunto e não resolvo nada. No equilibrismo das tarefas, estou sempre deixando um pratinho metafórico cair no trabalho, e assisto a ele se destroçar na minha caixa de entrada durante uma reunião no Zoom sobre outro assunto. Joe apoia seu bloquinho na minha divisória do escritório. Como você faz isso? Ele merece uma resposta profissional, e eu faço o meu melhor para passar algo do que aprendi. Mas a verdade é que eu não sei. Eu nunca sei. Todo dia, eu tateio um pouquinho. Todo o dia, eu me acostumo a não ter as respostas.
Se eu pudesse recauchutar a minha personalidade, acho que escolheria ser uma pessoa deliberada. Ou não - mudo de ideia mesmo sem ter traçado o plano. As coisas que fiz certo, fiz sem mira, seguindo uma bússola interna que eu não sei direito para onde está apontando. No meu primeiro final de semana em Nova York, entrei no Tinder judaico. Procurei o match mais insólito, um ator-músico-roteirista sub-empregado em um restaurante temático do Village. Em breve, comemoramos o quinto aniversário deste encontro. Em 2020, casamos no civil. Em alguns meses, casarei no religioso, provavelmente descalça, porque ainda não comprei os sapatos. Somos felizes.
Não sei que sabedoria isso passa para as próximas gerações. Não me sinto apta a dar conselhos. Sobre o trabalho, sobre a newsletter, sobre essa festa que inventei e agora falho em programar - tenho uma crise de dúvidas por semana e talvez a minha habilidade verdadeira seja ir caminhando com a canção constante das perguntas em volume baixinho. Às vezes até é bom.
Rainer Maria Rilke escreveu uma série de cartas para um aspirante a escritor, coletadas postumamente sob o título de “Cartas a um jovem poeta”. Já vi inúmeras edições localizadas estrategicamente próximas ao caixa de livrarias, volumes enxutos, com certo apelo de auto-ajuda. Ontem peguei o metrô na direção errada, tinha tempo para matar, e li as dez cartas em um PDF pirata, na tela do celular. Rilke tinha mais ou menos a minha idade quando as escreveu para o seu Joe particular. São bonitas. Sei muito pouco de Rilke, mas também aconselhei recentemente um colega de vinte e poucos anos, então sei que ele estava inventando tudo enquanto escrevia. Como você faz isso? Também não tenho a menor ideia, mas senta aqui que vou tentar te dizer algo de útil. Quem sabe eu já tenha achado uma resposta que ainda está silenciosa.
Nos últimos dias pensei: será que em algum momento a qtde de perguntas diminuem e as resposta aumentam? A gente amadurece, umas fichas caem e parece que aquela ideia de "concluído" se vai e, por tabela, começamos a finalmente perceber a vida como ela é. Para mim, por hora, as perguntas estão mais frequentes e as poucas respostas vem e talvez isso seja ser uma pessoa funcional. Talvez devêssemos assumir mais nossas caras de interrogação. Amei o texto!
Real, vulnerável, sincero. Eu poderia citar várias frases me simplesmente me pegaram de jeito. Acho que nunca tinha me identificado tanto com um texto. Obrigada por mostrar que não estamos sozinhos nesses sentimentos.