Essa é uma edição especial da newsletter, que pretendo publicar de forma semi-regular. Durante as minhas férias em São Paulo, fiquei impressionada com a vivacidade da cena literária. É tanta gente legal fazendo histórias que a gente se pergunta porque os mesmos nomes aparecem de novo e de novo. Essas resenhas vão ser a minha contribuição para que nomes diferentes possam florescer. Vou começar pelo meu amigo Matheus.
Às vezes a gente está no ônibus e entreouve um fragmento de conversa, um pedaço da vida alheia que é interrompido pela chegada no ponto. Ou então a visão de alguém nos carimba a retina, e construímos na nossa cabeça todo um passado imaginado. Ainda: vivemos uma história que não teve meio nem fim, foi só um ponto no tempo. O livro Pote de milk-shake, de Matheus Assunção, é construído por esses momentos.
O Pote é composto por dezoito contos sem um arco narrativo tradicional. Não há dilema a ser resolvido; não há um clímax, um grand finale. A sensação que fica é que o autor ouviu uma frase solta, cruzou o olhar com algo interessante, e disso veio algo parecido com uma história. Um retalho de vida. Uma impressão.
O livro brinca continuamente com a ausência de ponto final; vários contos tem a qualidade das coisas interrompidas. Em uma variedade de registros e vozes narrativas, o autor experimenta com a ideia de trazer os personagens a um lugar que se revela um passo em falso, um caminho sem saída. Os experimentos se justificam pelos contos em que a interrupção atinge um lugar conhecido na nossa experiência corriqueira, das coisas que não tem fechamento, mas uma certa morte por abandono.
Meus contos preferidos são aqueles que parecem vir da obsessão com uma imagem. A mãe e a menina, em terra firme, vendo o pai se afastar de barco pela baía. O apresentador de TV, com as bochechas de bulldog caídas por trás da maquiagem. O caminho ensolarado para uma casa antiga que não é mais a nossa. Na última história, que dá nome à coletânea, Matheus fala que um bom conto aponta para fora. Ele se refere às histórias que não se encerram no ponto final, mas que ainda são germinativas de sentido, que ainda podem continuar na imaginação do leitor. Porém, fiquei pensando: o que fica de um livro, muito tempo depois de acabado? Uma atmosfera, uma memória da sensação de viver brevemente entre suas capas. Em sua coleção de retalhos, sem arcos e sem solução, o Pote é pura atmosfera.
“Pote de milk-shake”
Matheus Assunção
Editora Patuá
113 páginas
esse é o tipo de história que me agrada. eduardo galeano me passa uma vibe meio que "ah eu ouvi isso aqui e tô contando pra vcs", sem nenhum início-meio-fim aparente, apenas algo que aconteceu. fiquei curiosa, já adiconei à lista de desejos! :)
Interessante! Gostei da possibilidade :)