Como uma pessoa religiosa, eu acredito que a evolução das espécies seja o grande drama sagrado de todos os tempos. É a história - talvez até mesmo a história - na qual o divino espera para ser descoberto.
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Mesmo que tenhamos deixado para trás o Deus da infância, aquele que assegura e garante "justiça" na vida, a presença da divindade na natureza permanece essencial para nossa percepção da realidade.
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Será que a presença da eternidade que sentimos (quer nos chamemos de “crentes" ou não) quando estamos no topo de grandes montanhas ou à beira do oceano existe apenas nas nossas mentes? Será que nossa certeza da presença divina, tão palpável para a alma religiosa, é uma mera afirmação poética, sem correspondência alguma com a realidade descrita pela ciência?
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Eu acredito que a "Criação" (ou, de forma mais neutra, as “Origens”), um tema quase completamente negligenciado tanto pela teologia judaica quanto pela cristã liberal do último século, deva retornar como uma preocupação central à nossa maneira. Isso tem muito a ver com a agenda ecológica e o papel fundamental que a religião precisa desempenhar na mudança de nossas atitudes em relação ao mundo em que nós, humanos, vivemos.
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Um Deus que subjaz todos os seres, que é e habita (em vez de "que controla" ou "supervisiona") o processo evolutivo é Aquele sobre o qual - ou sobre quem - contamos o grande drama sagrado, a história da existência.
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Assim, insisto na centralidade da "Criação", mas o faço a partir da perspectiva de alguém que não é exatamente um teísta, como compreendido no sentido clássico ocidental. Não afirmo um Ser ou uma Mente que existe à parte do universo e age sobre ele de forma inteligente e intencional. Isso me distancia bastante dos "criacionistas" contemporâneos ou do que geralmente é entendido como "design inteligente". Minha posição teológica é a de um panenteísta místico, alguém que acredita que Deus está presente em toda a existência, que o Ser ou Y-H-W-H subjaz e unifica tudo o que é. Ao mesmo tempo (e isso é panenteísmo como algo distinto do panteísmo), esse todo é misteriosa e infinitamente maior do que a soma de suas partes, e não pode ser plenamente conhecido ou reduzido a seus seres constituintes. "Transcendência", no contexto desta fé, não se refere a um Deus "lá em cima" em algum lugar além do universo, uma vez que eu não reconheço a existência desse "lá". Transcendência significa, antes, que Deus - ou o Ser - está tão plenamente presente no aqui e agora de cada momento que não poderíamos compreender a profundidade dessa presença. A transcendência então habita dentro da imanência. Não há dualidade final aqui, nenhum "Deus e o mundo", nenhum "Deus, o mundo e eu", apenas um Ser e suas muitas faces. Aqueles que buscam a consciência disso vêm a saber que é, de fato, eyn sof, sem fim. Não há fim para sua profundidade inimaginável, mas também não há fronteira, não há limite, separando o Um inefável do que quer que seja. O Ser Infinito flui através de todos os seres finitos a cada instante. "Saiba neste dia e grave em seu coração que Y-H-W-H é elohim" (Deuteronômio 4:39) - que Deus dentro de você é o transcendente. E o verso conclui: "Não há nada mais."
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Uma pessoa religiosa é aquela que percebe ou vivencia a santidade no encontro com a existência. Em um estado mental que não pode ser completamente descrito em palavras, tal pessoa ouve o Ser dizer: "Eu sou". Todas as nossas personificações do Um são uma resposta a essa “audição” interior.
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Procuro responder ao "Eu sou" que tive o privilégio de ouvir, me colocar a seu serviço ao levar adiante essa grande missão do processo evolutivo da vida. Para isso, escolho personificar, chamar o Ser por seu antigo nome "Deus".
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Quando me refiro a "Deus", estou falando da força interior da própria existência. Refiro-me a isso como o "Um” porque é o substrato único e unificador de tudo o que existe.
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Implícita aqui também está a fé de que de alguma forma misteriosa o Ser me ama, que se alegra por um instante fugaz em habitar dentro de mim, deleitando-se com esta forma única que constitui minha existência, como se deleita em cada uma de suas manifestações infinitamente diversas.
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Abrir nossas mentes e, em última instância, a mente de nossa sociedade, para a verdade acessível a partir desse “lugar” interior constitui nossa melhor esperança de inspirar mudanças na maneira como vivemos nesta terra. Não há nada de mero em visões poéticas.
Todos os trechos dessa edição são do rabino Arthur Green, em Radical Judaism, ainda sem tradução para o português.
Estou lendo Pilgrim at Tinker Creek, um livro um tanto religioso que ganhou o Pulitzer em 1975. Peguei a indicação com a
, nesta edição abaixo, que talvez seja a minha preferida. Ler é um jeito de aprender a enxergar o mundo:
Admito que tomei um susto quando li a primeira frase -- pensei, ué, cadê o secularismo da Ariela? hahaha
Muito em breve teremos uma tradução do livro do Green em questão ;-)
Ótima abordagem .. abraços