Você me abre seus braços
E a gente faz um país
Marina Lima
É brega ser grandiloquente? Hoje quero ser grandiloquente - o ridículo e o inflamado dos manifestos.
Cada um evoca suas musas particulares. As minhas, em geral, me sussurram de textos antigos, em línguas estrangeiras. Mas hoje eu quero ouvir português. Quero ouvir português como quem está há muito tempo fora e identifica a língua nativa na fila do embarque - o voo de volta. A língua na qual a gente aprendeu a amar.
Os romances parecem melancólicos e hoje estou esperançosa - deito de lado a pilha de livros meio lidos. Coloco os fones de ouvido. Há na música mais autorização para ser feliz.
O mundo é o que a gente cria todos os dias. Não é bonito que as coisas sejam construções sociais? Não há a essência das coisas, não há a natureza das coisas, não há uma imagem ideal da qual o nosso mundo é a cópia falha. A realidade é uma forma plástica, maleável a nossa vontade coletiva. Há a possibilidade, e isso é tudo.
Olho à minha volta e, à direita e à esquerda, nos acostumamos com o desespero: ele é convincente. Estamos habituados a nos pensar pequenos. Há um mundo lá fora, e ele é defeituoso. Há uma cultura lá fora, e temos que obtê-la. Mas a dualidade é enganosa: a gente é o país. O que a gente, nessa geração, conseguir construir: essa é a nossa porção da cultura brasileira.
Vivemos em tempos incríveis - mal tocamos a superfície. Nunca houve menos barreiras de entrada para a criação. Nunca existiu mais possibilidade de sairmos do isolamento da nossas cabeças e fazermos, de qualquer lugar, contato com o outro. Nunca o mundo mudou tanto, tão rápido - vidro quente que ainda podemos moldar antes que se cristalize. Talvez a reação natural seja o medo, a rejeição; é o nosso lado animal, bicho evolutivo. Talvez a esperança seja uma disciplina, um músculo que exercitamos; nossa construção humana.
Se o texto estiver funcionando, quem sabe você tenha começado a sentir a euforia de uma música cuja batida reverbera aos poucos dentro da gente. Somos chamados ao movimento. Queremos criar alguma coisa. Esse texto é justamente um convite para que você entre na dança.
Quando eu comecei essa newsletter, falava praticamente sozinha. Passei vários meses escrevendo para algumas dezenas de amigos. Hoje eu sinto que há algo bonito nascendo na interlocução com outras pessoas que vêem na internet um espaço para experimentar. Há uma nova efervescência de textos escritos para o meio digital e de pessoas que se forjam escritoras no mundo online. Há mesmo o potencial para que a escrita seja uma fonte de renda (a revista New Yorker recentemente publicou um artigo sobre a ascensão da classe média criativa da internet. A internet não precisa ser inimiga da leitura. Em um dos países com maior uso de mídias sociais do mundo, podemos abraçá-la como um lugar de criação. Podemos construir essa conversa em bom português, o idioma de Machado e Rosa e Lispector. E podemos fazê-lo juntos - uma onda que levanta todos.
Nos dias 5 e 6 de novembro, vai ter evento sobre newsletters. Dá para participar aqui. Ou dá para participar metaforicamente todos os dias: a tarefa de criar o mundo e revelá-lo é contínua.
No domingo que vem, volto com a programação normal.
Jardim de flores, 1907, Gustav Klimt
Que delícia, me animei tanto que coloquei um belchior pra lembrar que tô viva! ⭐️
Que texto, Ariela. Que alegria, que esperança. A euforia que surge da potência criativa. Justamente o que a gente precisa pra hj ❤️