Sinto que uma inhaca recaiu sobre essa newsletter desde 7 de Outubro. Ainda vou falar sobre assuntos difíceis e a próxima edição será sobre Edward Said e o conflito Israel-Palestina. Em seguida, com alguma sorte, consigo completar os textos sobre o Levítico, se eu desatar o nó de um ensaio em que inventei de relacionar as leis da terra da Antiga Israel com o feng shui na China Imperial. Enquanto isso, para afastar a inhaca, pensei em fazer uma edição leve sobre as coisas que andei vendo por aí.
O Museu Metropolitan está com uma exposição muito boa sobre a África bizantina. Eu me lembrei de um tema que sempre quero pesquisar, me distraio e esqueço: a história da Etiópia. A Etiópia foi a casa de versões muito antigas tanto do judaísmo quanto do cristianismo, que se estabeleceu firmemente na África antes mesmo de se tornar mainstream em Roma. Segundo a tradição, Marcos começou a evangelizar no Egito já em 49 EC. Os etíopes produziram imagens cristãs muito específicas, com um traço quase de história em quadrinhos. Essas aqui são do século 15 e 17:
Inspirada pelos etíopes, estou tentando voltar a desenhar. Meu progresso tem sido irregular, mas ao menos resgatei dentre os materiais de desenho um daqueles livros de colorir para adultos, sabe? Eles nunca foram um hobby digno e agora ainda estão fora de moda. Mas, para quem está destreinada, só colocar uma cor num papel e ver surgir uma forma já ajuda a resgatar a memória muscular das atividades manuais - mais ou menos como fazer uma edição leve da newsletter, depois de meses de silêncio.
Em casa, o Michael é o cozinheiro oficial. Eu até consigo fazer alguma coisa boa em ocasiões especiais, e me alimento por conta própria se não tiver outra alternativa, mas não é uma atividade que eu desempenhe naturalmente. Mesmo assim, acho que há algo de atraente em programas de culinária, e não é o fator food porn: a atividade manual em si, e um grupo de pessoas super investidas no processo, é um negócio prazeroso de assistir. Acabamos faz uns dias uma temporada antiga de Great British Menu, uns quarenta e tantos episódios. A premissa: chefes de todas as regiões do Reino Unido, com seus sotaques e temperos regionais, competem para cozinhar num banquete real. Os convidados são as pessoas comuns que foram condecoradas com a Ordem de Membro do Império Britânico. Como sou suscetível a demonstrações de soft power, terminei a temporada não só convencida da qualidade da comida britânica, como também adquiri um simpatia desmedida pela monarquia, essa instituição em que senhorinhas dão medalhas e banquetes para os cidadãos.
Quando o Michael falou que iria assistir a nova série da Netlfix sobre máfia taiwanesa, eu estava pronta para adormecer no sofá, uma especialidade antiga que apenas refinei durante a gravidez. Minha paciência para séries é baixa e é raro eu passar de um primeiro episódio mais ou menos. Para a minha surpresa, eu não só não adormeci durante The Brothers Sun como fiquei economizando os episódios e esperando pela hora de chegar em casa para assistir. A estrela principal é a Michelle Yeoh, de Everything everywhere all at once, e a série é um misto de novelinha com violência indiscriminada para a qual eu tenho que fechar os olhos. Se The Brothers Sun é sobre alguma coisa, talvez seja sobre a confusão entre mocinhos e bandidos e a forma como a narrativa joga com as simpatias do espectador, que se vê torcendo pelo lado errado, mesmo sabendo que é o lado errado. Acima de tudo, é uma história muito bem escrita, com personagens que você quer acompanhar, reviravoltas no enredo e aqueles ganchos marotos que fazem você esperar o próximo episódio.
Na virada do ano, resolvi pegar para ler algo diferente do meu padrão usual. Por alguma razão, o livro Luxúria, de Raven Leilani, estava na minha consciência como uma estreia que foi muito elogiada e baixei no Kindle. Não é um livro ruim. Considerando que eu li em dois dias, talvez tenha mesmo que dizer que é um livro bom, daqueles bastante legíveis, que você vai emendando uma página na outra. Ele não deixa de ser um exercício em construir personagens principais desagradáveis, como o Meu ano de descanso e relaxamento (Ottessa Moshfegh) e A pediatra (Andréa Del Fuego), também bastante legíveis. Mas termino de ler essa onda de livros contemporâneos com uma sensação um pouco cruel - a impressão de ser o tipo de pessoa que reduz a velocidade do carro para ver um acidente na estrada, alguém que fica hipnotizada pela desgraça.
Até a próxima,
Ariela
Tava com saudade da sua news! Fiquei curiosa pra saber mais sobre essa sua sensação de leitura se parecer com passar devagar perto de um acidente... ler alguns contemporâneos super elogiados me faz sentir que tô num acidente também, mas como a pessoa que foi atropelada, que tá no chão sem entender nada. Será que eu tô doida? Será que eu tenho péssimo gosto pra literatura? Porque fico extasiada com obras que são ignoradas pela “crítica”, e várias obras que estão no hype acho simplesmente méh. Esse Luxúria não consegui chegar nem na metade.
Ariela, se me permite, teu link para a exposição está quebrado. Minha sugestão é usar esse - https://www.metmuseum.org/exhibitions/africa-byzantium . Em tempo: não acredito em inhaca, acho que a inhaca é uma deusa que só tem poder quando damos poder para Ela. Rsrsrs... No mais, bacana a News, parabéns. Abs